A foto que ilustra este texto está postada na página que tenho nas redes sociais e representa aquilo que normalmente falo com nossos acadêmicos – presentes que Deus tem me dado ao longo desta curta, porém intensa, carreira de docente.
Por diversas vezes, tenho dito que, embora fracos e errantes na presença de Deus, ele sempre tem nos permitido viver momentos inesquecíveis e conviver com histórias fascinantes no exercício da docência. Aqui quero retratar uma destas histórias e acreditem – ela mexerá com você!
Aquele dia, era mais uma quarta-feira de uma semana bem atarefada, ou seja, igual a todas as outras. Depois de ministrar quatro aulas no turno matutino, ter uma tarde intensa no escritório com audiências e atendimentos, eis que mais uma jornada em sala de aula estava para se iniciar. Eram aproximadamente 19h15min quando adentrei à sala do sétimo período do curso de Direito das Faculdades Funorte, onde ministraria quatro horários de Direito Processual Penal.
Enquanto cumpria a rotina de sempre – apontar alguns tópicos no quadro a fim de orientar nossos debates no decorrer da aula – comecei a me entregar a pensamentos nada animadores. Questionei-me como faria para ministrar aquela aula com a mesma energia de sempre. Não me permitia naquele momento deixar que o cansaço, fruto da intensa jornada diária, retirasse de mim a capacidade de motivar aquela turma e fazer surgir em cada um deles a vontade de aprender o que eu sempre estava ávido para ensinar. Não queria que meu cansaço retirasse daquela aula a capacidade de despertar neles, o interesse por enxergar um processo penal diferente do que desenha a mídia ou os sensacionalistas de plantão.
Escrevendo naquele quadro, de costas para a turma, pedi a Deus que me ajudasse a superar o desânimo e dar o melhor de mim para nossos acadêmicos.
Eis que ao virar de frente para turma, fui surpreendido com uma das cenas mais fascinantes que já tive a oportunidade de presenciar em uma sala de aula. Sentada na primeira carteira da fila, estava ela. Anotava cada tópico que deixei no quadro e com olhares atentos não deixava nada passar despercebido. A sua sede pelo conhecimento e a calma com que organizava aqueles tópicos no seu caderno, deixando entre eles, os espaços necessários às anotações da fala do professor, consumiam minha atenção. Enquanto os demais colegas faziam suas anotações, eu fiquei ali – paralisado naquela cena. Dona Maria de Lourdes, cujos cabelos alvos lhe denunciavam a idade, teria comemorado recentemente 72 anos de idade. Estar ali, no início daquela noite, com toda aquela disposição para estudar, para aprender, era um desafio que provocava a todos nós.
A mim, sobretudo, provocava um sentimento de vergonha. Era assim que eu me sentia ao pensar que estava cansado, desanimado ou até mesmo com preguiça. Verdade, esse era o sentimento. Como dizer que tinha preguiça?
Imediatamente sentei ao seu lado, dividi com ela a mesma cadeira e pedi a ela que permitisse uma foto comigo. Ela, como sempre brincalhona, assentiu, fazendo uma ressalva: “cuidado com o que o Senhor vai fazer com essa foto!”. Aquela era a foto que ilustra hoje esta página. Eu disse que precisava deixar registrado o momento em que me faltou coragem para dizer que tive preguiça.
A nossa aula naquele dia versaria sobre inquérito policial e suas diversas nuances à luz da Constituição Federal. Contudo, antes, fez-se necessário que refletíssemos muito – acadêmicos e professor – sobre a maior lição que pudemos aprender naquele dia.
Fazer um curso superior é um sonho de muitos e uma realidade de poucos. É preciso, por isso, valorizar a oportunidade que nos foi dada de poder estar cursando uma faculdade. Tento, diariamente, mostrar aos nossos acadêmicos o valor desta oportunidade. Muitos a querem e não as tem. Temos, lá fora, pessoas que estão doando cada lágrima, cada gota de suor para que nós aqui dentro tenhamos essa oportunidade. Conheço pais que doaram todo o seu tempo, toda a sua vida, para que seus filhos pudessem estar aqui nesta sala. Também conheço pais, filhos, avós que sempre se enchem de orgulho para dizer ao amigo que seu filho está na faculdade.
De outro lado, estamos nós aqui. Com esse imenso desafio pela frente e muitas vezes sem a noção exata do que ele significa para quem amamos. O que aquela cena com Dona Maria de Lourdes ensina a todos nós é que devemos ter vergonha de dizer que estamos cansados ou desanimados. Busquemos a força necessária a nos manter vivos e sempre determinados a conquistar o que sonhamos, principalmente porque tem muitos que nos amam e que carregam esse sonho conosco.
Oriunda de outras conversas com Dona Maria, surge a parte mais bonita desta história. Em meados de 1998, eu ainda trabalhava como eletricista da CEMIG na cidade de Lontra – MG. Naquela época a empresa realizava um grande projeto de eletrificação rural na região. Em uma de minhas tarefas, fiquei vários dias instalando medidores de energia e realizando a ligação de padrões na região rural de Tabocas, também no município de Lontra. Naquela região rural, em uma casa simples, morava uma Senhora que, até aquele dia, não tinha energia elétrica em casa, embora sonhasse mais alto – fazer o curso de direito.
Do lado de fora daquela casa, tinha um rapaz, que instalando o medidor de energia no padrão, também carregava consigo um sonho. Fazer o curso de Direito, ser advogado criminalista e professor universitário. Os nossos sonhos se encontram em pleno vapor. Dona Maria de Lourdes, moradora daquela humilde casa, está cursando hoje o oitavo período do curso de Direito nas Faculdades Funorte de Montes Claros – MG. O Professor Warlem, aquele eletricista que, instalando a medição de energia, carregava consigo o mesmo sonho de Dona Maria, é hoje advogado criminalista, e Professor de Direito Penal e Processo Penal.
Em razão de todos estes presentes nos dados por Deus, que hoje, tudo que digo a nossos acadêmicos é para que eles tenham vergonha de ter preguiça!!!
Professor Warlem Freire Barbosa – Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal e Processo Penal nas Faculdades FUNORTE e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.